
Ana Paula Tavares
Educação e História: Agostinho de Hipona (354-430) e a formação do cristão em meio às incertezas do século
Resumo:
O conhecimento, este compreendido enquanto potencialidade inerente ao ser humano e via para o encontro com Deus, ocupou uma necessária centralidade no conjunto das preocupações dos Padres da Igreja entre a Antiguidade Tardia e a Idade Média. Agostinho de Hipona (354-430) defenderia o conhecimento como instrumento da fé. A razão (o logos grego) encontrava-se imanente na Criação, sendo que a Sabedoria era identificada à segunda pessoa da Trindade. A importância atribuída ao conhecimento é fundamental para compreendermos a posição assumida por Agostinho junto à sua comunidade. Em convergência com sua ação pastoral, o bispo de Hipona se fixaria no exercício do papel de professor em sua comunidade. Consciente de que a transformação só poderia advir da educação (e a partir de sua própria experiência estudantil), Agostinho idealizaria um programa formativo – amplo e flexível – para os cristãos de sua diocese.
Palavras-chave: Política; Epistemologia; doutrina; comunidade de fiéis; Antiguidade tardia.
Armênia Maria de Souza
Prevaricadores da regra e destruidores da Ordem: os frades menores, os estudos e a propriedade em frei Álvaro Pais (Séc. XIV)
Resumo:
Pretendemos discutir o cotidiano dos frades menores com os quais Álvaro Pais conviveu e os principais problemas por ele assinalados em relação às suas condutas no que concerne aos estudos e à propriedade comum e particular. Para o autor, a maioria dos frades que estudavam nos grandes centros como Paris ou Bolonha, não levavam a sério a formação recebida, especialmente em relação à Sacra Página e por isso continuavam despreparados para o ensino, trazendo prejuízos aos conventos de origem, a si próprios e aos seus confrades. Uma vez malformados, não teriam elementos jurídicos e teológicos suficientes para a interpretação da regra e as concepções em torno da licitude ou não da propriedade para os franciscanos.
Palavras-chave: franciscanos; ensino; propriedade.
Norberto Gerald Cresta
El pensamiento místico en la Universidad de París
Resumo:
La profunda crisis moral surgida luego de la caída del imperio de Carlomagno, y aún presente hasta parte del Siglo XII, tuvo como emergente una fundamental renovación espiritual en el fervor místico y el entusiasmo religioso de hombres y mujeres extraordinarios. Su manifestación en el pensamiento filosófico-teológico es una de las expresiones más significativas de la historia medieval centroeuropea. Diversidad de experiencias y modalidades místicas que pueden sintetizarse en el pensamiento de la Escuela parisina de San Víctor, con sus representantes Ricardo y Hugo, pero también en figuras paradigmáticas como el franciscano Buenaventura de Bagnoregio y el dominico Tomás de Aquino. Común a todos ellos es la búsqueda del Bien supremo mediante la práctica de una triple elevación interior: la vía purgativa, la iluminativa y la unitiva. Son presentadas aquí algunas notas distintivas de este camino de progreso interior ascendente y señalados sus respectivos aportes a la doctrina medieval de los conceptos trascendentales.
Palavras-chave: Universidad de París; misticismo; vías espirituales; trascendentales del ser.
Lais Boveto
“Inteligir é viver”: razão e inteligência em Tomás de Aquino
Resumo:
A exposição tem por objetivo abordar a distinção entre razão e inteligência, segundo Tomás de Aquino. Apesar de ambas constituírem uma mesma potência, têm função distinta no que se refere à apreensão do conhecimento. A razão é movimento, percorre diferentes objetos, por meio da pesquisa, da invenção e do discurso (da ciência) para conhecer. Ao discernir, distinguir, isolar e comparar os objetos, os sentidos, a imaginação e a memória trabalham para alcançar não a abstração, mas uma síntese única, pessoal e formal – a inteligência que dá forma ao homem. Para Tomás de Aquino, a concepção do inteligir não se reduz ao movimento da razão, que ocorre na multiplicidade de objetos, mas sim na condensação desses elementos assimilados. Ao inteligir o homem se aproxima da unidade do ser universal, perfeito e bom, unindo seu espírito com o objeto do conhecimento. Não se trata de adequar os objetos ao espírito, mas de torná-los parte integrante da mente. A inteligência, portanto, depende da atuação das diferentes capacidades, não ocorre independentemente dos sentidos e do próprio corpo e resulta em operação absolutamente imaterial e especulativa. Com isso, a inteligência – por meio de sua imaterialidade e não apesar dela – possibilita que o homem transforme sua própria constituição ao apreender o conhecimento. Em Tomás de Aquino, inteligir é a ação vital por excelência, uma vez que é a quididade, a potência superior que define o homem.
Palavras-chave: Filosofia da Educação. Racionalidade. Conhecimento. Tomás de Aquino.
Maria de Lourdes Sirgado Ganho
Saber e Virtude na obra A República de Platão. Hermenêutica do Livro VI
Resumo:
A obra, A República, é constituída por X livros, sendo o tema central a justiça, com um desígnio ético e político, pois assistia-se a uma decadência das cidades gregas, especialmente de Atenas. A sua proposta, aqui apresentada, será a de uma cidade ideal, mas não utópica, em que o Rei fosse filósofo e em que tivesse uma educação em sintonia com o que é ser filósofo, medante o saber e a virtude. Neste caso, a argumentação deverá ir no sentido de uma compreensão da República em sintonia com a sua Teoria das Ideias que é, simultaneamente, uma teoria metafísica. O Livro VI, que será objeto de comentário, é central para uma compreensão do “verdadeiro filósofo”, o qual tem todas as aptidões para ser o guardião desta cidade, e isto em função do seu percurso espiritual que, do sensivel, se dirige para o inteligivel, Mundo do Ser, o mundo verdadeiro, que só se contempla mediante uma ascese racional, que a metáfora da linha exemplifica.
Palavras-chave: República; Saber; Virtude; Ser.
Mário Jorge da Motta Bastos
O Desafio de Significar o Passado: o Ensino da História Medieval no Brasil
Resumo:
Creio que os profissionais que lecionam História, em qualquer nível em que seu magistério se exerça, estão cada vez mais ameaçados em sua atividade e desafiados numa sua condição de exercício essencial – a mobilização do público – por um crescente sentimento de desprezo pelo passado, em especial os mais remotos, no quadro de sociedades capitalistas que, cada vez com maior intensidade, só se reconhecem em projeções para o futuro. Ao futuro dedicamos, cada vez mais, o nosso maior sentimento de empatia! O “desmanche cotidiano no ar de toda e qualquer expressão de solidez histórica” parece nos livrar da sensação do peso do tempo sobre nossas costas, acelerando a história num presente que é vivido como mudança constante que só nos vincula ao futuro, só nos projeta à frente, ao vir a ser. A historicidade parece cada vez mais residir na ficção científica, e o tempo pretérito nos romances que celebram um mundo perdido ou que talvez nem tenha existido, vivido por seres “meio-humanos-meio-bestiais” talvez mais estranhos que os extraterrestres! Tendo em vista este cenário, impõe-se aos historiadores em geral, e aos medievalistas (e antiquistas!) em particular, refletir sobre as condições, perspectivas, práticas e sentidos do estudo e da docência de nossas “fatias de duração do tempo” em todos os níveis do ensino no Brasil. Como é o presente e qual será o futuro deste passado na formação intelectual dos brasileiros?
Palavras-chave: História Medieval; Pesquisa; Ensino; Extensão.
Michelle Szkilnik
Jean de Saintré et le Jouvencel: une éducation chevaleresque au XVe siècle
Résumé:
Comment faire d’un jeune garçon un bon chevalier ou un bon homme d’armes? Comment lui assurer une carrière honorable et prestigieuse ? C’est à ces questions que répondent de manière très différente deux ouvrages du XVe siècle, tous deux rédigés par des spécialistes de la guerre : Antoine de la Sale, héraut d’armes, et Jean de Bueil, maréchal de France. Leur héros respectifs, Jean de Saintré et le Jouvencel, deviendront de grands personnages par leurs qualités propres mais aussi grâce à l’aide d’un mentor. Dans Jean de Saintré, le jeune page de 13 ans est éduqué et guidé par une dame de haute noblesse qui lui enseigne comment réussir à la cour essentiellement en s’assurant l’amitié et le soutien financier de grands personnages. Dans Le Jouvencel, le héros est un jeune homme pauvre de noble origine qui trouve dans la carrière militaire le moyen d’affirmer sa valeur et de trouver une place digne dans la société. Ces deux itinéraires en apparence opposés résultent toutefois l’un et l’autre d’un véritable programme pédagogique imaginé dans un cas, Jean de Saintré, par un personnage du roman, dans l’autre, Le Jouvencel, par l’auteur. Ce sont ces programmes que j’examinerai dans ma présentation.
Mots clés: éducation; manuel de chevalerie; carrière; modèle.
Paulo Martines
A noção de vontade para Tomás de Aquino
Resumo:
O objetivo desta comunicação é investigar a noção de vontade como apetite racional para Tomás de Aquino. A dificuldade desse tema não diz respeito à existência da vontade, ainda que alguns filósofos contemporâneos neguem a vontade ou aquilo que se entende por volições, mas a de conceber uma vontade como racional. É possível imaginar que as escolhas guiadas pela razão sejam sempre racionais? Ou, então, por que pensar que aquilo que queremos seja orientado pela razão? Muitas de nossas ações são motivadas pelos nossos desejos ou paixões, não havendo um controle ou qualquer impedimento por parte da razão. Não é difícil encontrar resistências essa concepção de apetite racional. Na Idade Média Duns Scotus recusou-se a pensar a vontade em termos de apetite racional e, apoiado em Anselmo de Cantuária, descreveu uma dupla inclinação no interior da vontade, para aquilo que é reconhecido como vantagem para nós (affectio commodi) e uma inclinação para a justiça, para o bem em si mesmo (affectio iustitiae). Essa segunda concepção retém a ideia da capacidade de fazermos o bem independente do nosso próprio interesse; que para o teólogo Escoto reside na capacidade de amar a Deus por Ele próprio. No mundo moderno Hobbes foi contundente ao dizer: “a definição de vontade vulgarmente dada pelas escolas, como apetite racional, não é aceitável. Porque se assim fosse não poderia haver atos voluntários contra a razão” (Leviatã, I,6). A solução de Tomás de Aquino à questão da vontade passa pelo entendimento da noção de apetite, que nada mais é do que a inclinação própria de um ente, isto é, a tendência para o seu bem ou fim.
Palavras-chave: vontade; razão, moralidade; ação.
Paulo Rogério de Souza
A influência da Filosofia, da Sofistica e da Tragédia grega na formação do cidadão grego: uma Paideia necessária
Resumo:
Este trabalho tem como temática a influência da filosofia, da sofística e da tragédia, como partes de uma “Paideia necessária” para a formação do cidadão da polis grega do século V a.c. O objetivo é mostrar as práticas filosóficas e sofísticas como práticas formativas do homem ateniense, mas destacando a importância educativa da tragédia. O destaque que é dado à tragédia grega neste trabalho se justifica pela expressividade educativa atribuída ao gênero trágico na cidade-estado de Atenas no período clássico. Isso porque, ainda que uma forma de educação institucionalizada ou formalizada como a educação sofística e filosófica fosse buscada neste momento histórico, foi a literatura, com estaque para a tragédia grega, uma continuadora no processo educativo do cidadão ateniense. Mesmo sendo uma exigência social da polis democrática, a educação não estava acessível a qualquer cidadão: a sofística por seus custos e a filosófica pelo ócio que nem todo ateniense dispunha. Assim, o teatro, principalmente com a tragédia grega, assumiu um papel essencial para a formação do cidadão.
Palavras-chave: Tragédia grega; Filosofia; Sofística; Educação.
Rafael Henrique Santin
O conceito de intelecto e a formação do mestre nas Questões disputadas sobre a alma, de Tomás de Aquino
Resumo:
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a concepção tomasiana de intelecto e seus desdobramentos para a formação do mestre. A fonte para o desenvolvimento desse estudo são as Questões disputadas sobre a alma, um conjunto de lições desenvolvidas por Tomás de Aquino, provavelmente, durante sua regência em Santa Sabina, entre 1266 e 1267. O problema fundamental que guia as nossas análises é a perspectiva tomasiana para a formação do mestre, bem como as contribuições de Tomás de Aquino para pensarmos a formação docente na atualidade. A lição mais importante que podemos aprender com o mestre de Aquino é que a sabedoria é condição para se tornar um ‘mestre integral’. Diante disso, cabe a seguinte pergunta: em que consiste a sabedoria magistral, do ponto de vista de Tomás de Aquino? Parte dessa ‘sabedoria magistral’ consiste em investigar sistematicamente a alma humana, particularmente o intelecto. O intelecto figura como um dos principais temas nas obras tomasianas, pois o autor parte do princípio de que o aspecto mais importante da natureza humana é o intelecto, de modo que toda a reflexão sobre a ação e a formação do homem passa necessariamente pela questão do intelecto. Outro ponto relevante é a participação de Tomás de Aquino numa das principais controvérsias de sua época: o confronto de ideias contra os averroístas, defensores da teoria do monopsiquismo. Tomás de Aquino questionava essa teoria, argumentando que a alma humana é formada por um intelecto total, ou seja, um intelecto individual constituído de uma potência ativa (intelecto agente) e uma potência passiva (intelecto possível). Essas disputas e as posições assumidas pelo teólogo dominicano contêm lições importantes sobre os aspectos essenciais da formação docente que, eventualmente, são esquecidos ou negligenciados, como a necessidade de o professor, além de conhecer o que ensina e os melhores meios para ensinar, manter-se aberto ao conhecimento e à investigação científica e filosófica, isto é, investir na sabedoria como condição essencial do ‘ser’ professor.
Palavras-chave: Filosofia da Educação Medieval; Formação docente; Tomás de Aquino; Questões Disputadas Sobre a Alma.
Sérgio Ricardo Strefling
A estudiosidade e o fim último do ser humano em Hugo de São Vítor e Santo Tomás de Aquino
Resumo:
A paidéia medieval retoma o pensamento grego e com a mensagem cristã (encarnação, redenção e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo) constrói o mais elevado pilar da educação que conduz à Sabedoria. A partir das artes liberais do trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) tem-se o método que prepara a civilização ocidental. Neste estudo apresentaremos alguns tópicos da Didascalicon, de Hugo de São Vítor (1096-1141) e da Suma Teológica, de Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Hugo de São Vítor, dentre sua volumosa obra, escreve Didascalicon de studi legendi, onde trata sobre a arte e o método de estudar. A virtude da estudiosidade exige humildade necessária para quem deseja aprender, exercício da memória, disciplina de vida e preocupação em ensinar o que se aprendeu. “Existem principalmente duas coisas por meio das quais alguém é conduzido ao conhecimento, a saber, a leitura e a meditação, das quais a leitura vem em primeiro lugar” (Didascalicon, prefácio). Hugo não visava formar pessoas para desempenharem determinadas funções e garantir determinada profissão, mas para atingirem o último grau da Sabedoria, a contemplação, com a qual, segundo ele mesmo: ”tem-se um antegosto nesta vida do que será a recompensa futura das boas obras...a máxima consolação da vida, quem a possui é bem-aventurado” (Didascalicon I,1). O professor de São Vítor visava uma formação integral que proporcionasse uma união cada vez mais profunda com o próprio Deus, fim último do homem. Ora, isso só é possível com a virtude da sabedoria que conduz à vida contemplativa que é a atividade mais essencial ao homem e, portanto, a única que lhe garante a perfeita felicidade, conforme já anunciara Aristóteles (Ética à Nicômaco, X). Hugo lembra-nos que três coisas são necessárias ao estudante: a capacidade natural, o exercício e a disciplina. O aprendizado começa a partir das coisas que são mais conhecidas, e através do conhecimento delas é que se alcançará o conhecimento daquilo que estava oculto. A leitura deve incluir a meditação, a memória, a disciplina e a humildade (Didascalicon III, 9-13). O filósofo conhece somente o significado da palavra, mas o significado das coisas é muito mais superior do que o das palavras, pois o significado destas foi instituído pelo uso, enquanto o daquelas foi fornecido pela natureza. O significado das palavras é a voz do homem, o das coisas é a voz de Deus aos homens. As palavras depois de pronunciadas perecem; as coisas, depois de criadas, subsistem. A voz frágil é a expressão dos sentidos; a coisa é a imagem da razão divina. Deve-se saber que, em qualquer atividade, duas coisas são necessárias, a saber, o trabalho e a razão deste trabalho, que de tal modo estão conectados entre si que um sem o outro se torna inútil ou menos eficaz. A prudência é melhor do que a força, pois quando não podemos mover um grande peso pela força, o conseguimos pela arte. Quem trabalha sem critério evidentemente trabalha, mas não progride e, como que açoitando o ar, dispersa suas forças ao vento. Há três coisas principais que costumam se opor aos estudos dos leitores: a negligência, a imprudência e a má sorte. Quanto ao primeiro destes três obstáculos ao aprendizado, isto é, a negligência, o leitor deve ser repreendido, quanto ao segundo, isto é a imprudência, deve ser instruído, e quanto ao terceiro, isto é, a má sorte, deve ser amparado (Didascalicon V, 5). O fruto da leitura divina é constituído de duas metades, pois ele tanto instrui a mente pela ciência quanto a torna bela pela moral; ensina aquilo que apraz saber e aquilo que convém imitar. Hugo ensina: “Desejai as alegrias da pátria celeste e procurai por quais méritos de justiça se chega a elas. Desejai chegar em algum lugar? Aprendei de que modo se chega ao que procurais” (Didascalicon III). Adquire-se o conhecimento de duas maneiras, a saber, pelo exemplo e pela doutrina. Convém, entretanto que aquele que tiver ingressado nesta via aprenda a se entusiasmar não só pelo brilho da eloquência, mas também pela emulação das virtudes, para que a pompa e o estilo das palavras não o agradem mais que a beleza da verdade. Para o filósofo cristão, a leitura deve ser uma exortação, não uma ocupação, e deve constituir os bons desejos, e não negá-los (Didascalicon V, 6). O método de estudo proposto por Hugo de São Vitor será desenvolvido na escolástica do século XIII, tendo seu ápice nos escritos de Santo Tomás de Aquino e tantos outros autores. Santo Tomás de Aquino, dentre a sua volumosa obra, destaca-se a Suma Teológica, onde encontramos o roteiro ou itinerário daquilo que é necessário o homem crer, o que deve fazer e os meios para conseguir tal empreendimento. O homem deve crer no que Deus revelou (as verdades da fé), fazer o que Deus mandou (os 10 mandamentos) e auxiliar-se dos meios eficazes da graça (os sete sacramentos). Ao falar sobre o homem e seu agir, Santo Tomás, pergunta sobre o fim último de cada homem e todos os homens. Existe um fim último? Propõe-se o homem, com seus atos, alcançar algum fim último e supremo? Santo Tomás responde que sim, pois se o homem não quisesse e não intentasse o seu fim último, nada poderia nem intentar nem querer, por isso ordena todas as suas ações para a consecução do fim último ou de modo consciente e explícito, ou implicitamente em virtude de certa espécie de instinto racional. Este objeto tão desejado pelo homem é a sua própria felicidade. Acontece que estando em suas mãos escolher entre muitos bens, pode confundir os verdadeiros com os aparentes. Mas em que consiste objetivamente a felicidade do homem? Num bem superior a ele, e o único capaz de acumulá-lo de perfeições (Suma Teológica I-II, 2, 1-8). Este bem não consiste nas riquezas porque as riquezas são coisa inferior ao homem, e incapazes, por si mesmas, de aperfeiçoá-lo. Não consiste nas honras, porque as honras não dão perfeição, já a supõem, sob pena de serem postiças, e se são postiças nada são. Este fim também não consiste na glória e na fama, por serem, neste mundo, coisas frágeis e volúveis. Da mesma forma, não consiste no poder, porque o poder não se dá para o bem próprio, senão para o dos outros e está a mercê do capricho e do espírito de insubordinação. Tão pouco na saúde e na beleza corporal porque são bens inconsistentes e passageiros e, além de tudo, só dão perfeição ao exterior e não ao interior do homem. Tão pouco nos prazeres dos sentidos, porque são grosseiros demais, comparados com os gozos delicados da alma. Logo, o objeto da felicidade consiste nalgum bem que traz perfeição diretamente ao espírito, e este bem só pode ser Deus, Sumo Bem, Soberano e Infinito. Portanto, aqui Tomás nos encaminha para a necessidade da prática das virtudes. Entre elas, destaca-se, a sabedoria. Para atingir a sabedoria exigem-se outras virtudes, a saber, a estudiosidade. À virtude da estudiosidade opõe-se o vício da curiosidade ou dispersão. O studium é um labor, um esforço, sem o qual não se chega ao verdadeiro conhecimento do objeto. Aí se encontra o gaudium, a alegria e o repouso. O estudo implica, principalmente, a aplicação da mente a alguma coisa. Ora, a mente não se aplica a alguma coisa a não ser conhecendo-a. Por isso, primeiro o espírito se aplica a conhecer, depois, àquilo a que é levado pelo conhecimento. Assim, o estudo busca, primeiramente, o conhecimento; e, secundariamente, tudo o mais que, para ser executado, precisa ser dirigido pelo conhecimento (Suma Teológica II-II, 166, 1). As virtudes, porém, têm como objeto próprio a matéria que lhes concerne de forma primordial e principal. A fortaleza, por exemplo, tem como sua matéria os perigos mortais, e a temperança, os prazeres do tato. Portanto, a estudiosidade refere-se propriamente ao conhecimento. Conforme afirmou Aristóteles “todos os homens, naturalmente, desejam saber”. Ora, a moderação desse desejo é própria da estudiosidade. Por conseguinte, a estudiosidade é parte potencial da temperança, como virtude secundária, anexa à principal. Santo Tomás lembra que a prudência é uma virtude que complementa todas as virtudes morais. Por isso, na medida em que todas as virtudes devem ter o conhecimento da prudência, nessa mesma medida a estudiosidade, que se ocupa, propriamente, com o conhecimento, se aplica a todas as virtudes (Suma Teológica, II-II parte, 166,2). O desejo e o esforço no conhecimento da verdade, pode ser reto ou perverso. É perverso, quando alguém que tendendo aplicadamente ao conhecimento da verdade, junta a isso algum elemento mau, como seria aplicar-se ao conhecimento da verdade, para tirar daí motivo de orgulho. Também é perverso, quando o homem deseja conhecer as criaturas, sem se reportar ao fim devido, ou seja, ao conhecimento de Deus. Aqui, Santo Tomás, lembra Santo Agostinho que diz: “ao refletir sobre as criaturas, não devemos praticar uma vã e perecível curiosidade, mas utilizá-las como degraus para o que é imortal e permanente (Suma Teológica, II-II, 167, 1). Deve-se imbricar a curiosidade à estudiosidade para entender o debate permanente sobre a autonomia da pesquisa e sua relação com o fim último. A dispersão e a má compreensão do que seja a estudiosidade leva-nos aos abusos históricos, onde se pode confundir o conhecimento da realidade com meras informações e construções ideológicas.
Palavras-chave: Hugo de São Vítor; Santo Tomás de Aquino; estudiosidade; fim último.
Conceição Solange Bution Perin
Filosofia e educação no final do século XIII e início do século XIV: Boaventura de Bagnoregio e Raimundo Lúlio
Resumo:
O estudo analisa a educação e a filosofia na Idade Média, especificamente no final do século XIII e início do século XIV. O objetivo é o de compreender o papel que essas duas ciências tiveram em um período de transição, no qual o homem sofreu alterações intelectual e educacional para manter e suprir as exigências da época. Abordaremos alguns questionamentos e ensinamentos apresentados por dois autores do período e que apresentaram projetos de reorganização da sociedade por meio do comportamento educacional e do conhecimento filosófico: são eles Boaventura de Bagnoregio (1217-1274) e Raimundo Lúlio (1232-1316). A fundamentação teórica perpassa pela história pelo conceito de longa duração. Compreendemos que a formação humana não se explica por um determinado momento histórico, mas sim, pelo entendimento do passado e do presente, revelando que as questões educacionais e reflexivas se diferenciam em cada contexto, porém, são essenciais em todos os momentos históricos.
Palavras-chave: Filosofia; Educação; Idade Média; Boaventura de Bagnoregio; Raimundo Lúlio.
Reginaldo Aliçandro Bordin
O ‘kepos’ epicurista: a utilidade da filosofia e sua relação com o conhecimento e a formação do homem feliz
Resumo:
Na Carta a Meneceu, seu autor, Epicuro, sentenciou que a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho. Sua afirmação é cheia de sentido porque sugere que a utilidade dela é universal; se aplica a todos porque a todos pertence a condição de conquistar a vida feliz. Essa perspectiva defendida pelo filósofo do “Jardim”, nascido em 341 a.C., na ilha grega de Samos, nos remete para novos desdobramentos que a atividade filosófica alcançou, sobretudo no conjunto das mudanças sociais experienciadas pelos gregos. A esse respeito, as conquistas territoriais conduzidas pelo macedônio Filipe I e, posteriormente, por seu filho Alexandre Magno, foram cruciais para os gregos na medida em que contribuiu para alterar sua tradicional organização social e cultural. A vitória macedônica, na Batalha de Queronéia, em 338 a.C. transformou substancialmente a vida dos gregos, que passaram da condição de cidadãos à de súditos de um rei estrangeiro. Os gregos, orgulhosos de pertencerem à pólis que conferia ao cidadão autonomia política e isegoria, isto é, a igual participação da palavra no centro político, a ágora, perderam aquilo de que mais orgulhavam, a liberdade. Nesse caso, a conquista de Alexandre, impactou não apenas no sentido militar: contribuiu para dissolver a pólis em todos os sentidos e redefinir o que Giovanni Reale considerou a vida espiritual dos helenos. As virtudes cívicas, valorizadas por filósofos como Platão e Aristóteles, que pensaram a relação entre a política e a ética nos projetos filosóficos que teorizaram, cederam espaços para novos conteúdos. O homem, portanto, perde seu valor cívico pois todas as decisões relativas à coisa pública são tomadas sem a sua contribuição; a vida dos novos Estados, afirma Reale, desenvolve-se independentemente do seu querer e a paixão pela vida pública se esvazia. Para esse historiador italiano da filosofia, os gregos, não tendo mais como recorrer à cidade, ao ethos do Estado, aos seus valores para apelar, foram levados a fechar-se em si mesmos, a buscar no seu íntimo as novas energias, os novos conteúdos morais e novas metas para o viver. É nesse contexto, portanto, que se estabeleceu a doutrina epicurista: no desmonte da sociedade que os gregos tinham como referência, ele propôs uma doutrina filosófica que se esmerava em proporcionar uma orientação (doutrinária) para o indivíduo. Por isso, em Epicuro, reconhecemos uma atitude formativa, o “remédio” necessário para sobreviver a um mundo em transformação. A partir de seu “Jardim” – o kepos -, junto aos seus discípulos, Epicuro propôs novas metas para o ser humano, que passavam, necessariamente, por dois aspectos centrais, embora não únicos: o conhecimento e a ética. Ambas estavam orientadas para oferecer as condições de uma vida feliz porque considerava que essa qualidade estava no indivíduo e não na pólis. Com efeito, a doutrina de Epicuro pode ser caracterizada como uma constante busca por serenidade, a ataraxia, isto é, um espírito tranquilo capaz de suportar as mazelas que a vida política poderia proporcionar a qualquer um. Por isso, seu kepos era afastado das perturbações próprias da vida urbana e dos ideais cosmopolitas – uma cidade sem um centro de referência – instaurados por Alexandre Magno. Por esse motivo, sua filosofia assumiu orientações distintas daquelas apresentadas principalmente por Platão, a quem se opôs, sobretudo, ao discordar da metafísica, expressa na alegoria da segunda “navegação”, no Fédon. Em primeiro lugar, a filosofia de Epicuro se notabilizou por assumir a missão de libertação daquilo que aflige a condição humana. Ela, no entendimento do mestre do “Jardim”, deve proporcionar os remédios – o tretraphármakos - para livrar a todos dos males, que estão em nosso interior e nos dominam. Os males são resultantes da nossa equívoca interpretação de suas causas, isto é, atribuímos uma realidade ao que não compreendemos adequadamente. Para Epicuro, a constante atividade da filosofia, é útil e necessária porque contribui para dissipar as aflições proporcionadas pela superstição e não pelo conhecimento, a saber: o temor constante que temos dos deuses, o incômodo da morte, o febril desejo por prazeres e as dores físicas ou psicológicas, expressões que podem ser reconhecidas nas Máximas Principais e nas Sentenças Vaticanas. De fato: “todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia”, afirmou Epicuro. E a verdadeira filosofia não é a metafísica, mas aquela que deve servir à vida: ela orienta a todos a viver uma vida plena e feliz, sem preocupações. Para alcançar essa condição, Epicuro apostou numa teoria do conhecimento que tinha por referência a experiência sensível. Na Carta a Heródoto, ele afirma que o enfoque cognoscitivo deve ser sobre as coisas concretas, sensíveis. Por suposto, é clara oposição ao platonismo que privilegiava o conhecimento das ideias e notória afirmação epicurista de que a sensação orienta o filósofo para a verdade. Ela está, portanto, ao alcance dos olhos. Não está no horizonte de nossos sentidos o fato de que os deuses interferem no destino humano tanto quanto encontra na nossa percepção o fato de que todos os seres vivos nascem e morrem e, por isso, seria injustificável o medo de um e de outro. Está, por outro lado, na nossa capacidade (filosófica) de conduzir (formativamente) nossos desejos e prazeres (num cálculo utilitarista) para reduzir as dores e o sofrimento e ampliar o prazer, entendido como ataraxia. Em face disso, o mestre do “Jardim” parece ter extraído do conhecimento que podemos ter da natureza os pressupostos que poderiam orientar a formação de todos para a verdadeira felicidade. Ele mostra que a natureza é ordenada e hormônica e que é possível viver a vida com sabedoria, se aprendermos a administrar serenamente as nossas escolhas. É sábio, então, aquele que conhece os limites da vida e sabe que é possível remover o sofrimento proveniente de nossas carências (limites) e conduzir a vida em seu todo para a perfeição, tal como indicou nas Máximas principais. Para Epicuro, a tarefa fundamental da filosofia consiste em tornar a vida humana possível: vale como atividade curativa, um remédio que se bem praticado e conduzido possibilita, a quem a ela se dedica, uma vida feliz. Mas isso, não é alcançado sem o esforço e cuidadoso trabalho dos que perseguem uma vida boa. Viver feliz não constitui na posse de riquezas e na participação de banquetes fartos ou prazeres dissolutos, situação que muitos, em nosso tempo, estabelecem como critério e nem por isso se livram do sofrimento. Ao contrário: é reduzir necessidades de posses, o desejo daquilo que não temos e o afastamento – mediante a necessidade – da vida pública. A filosofia, portanto, é útil porque reeduca ao ensinar regras simples de viver. Educa porque estabelece os ideais de uma convivência pacífica e serenidade espiritual enquanto fruto de uma vida reflexiva, justa e sábia. Educa, porque, enfim, é parte da cultura formativa (paideia) proposta por Epicuro ensinar a todos o cuidado em viver e em morrer honestamente, valor certamente universal e atemporal.
Palavras-chave: Formação; Conhecimento; Ética.
Bruno Soares Miranda
“Chamava muy devotamente com vozes”: as narrativas de milagres de Santo Antônio
Resumo:
Na Crônica da Ordem dos Frades Menores encontramos diversos relatos de vida e de milagres de alguns membros da Ordem Franciscana. Nestes relatos, um personagem se destaca: Santo Antônio de Pádua/ Lisboa. Com narrativas de milagres de tipologias diversas, algumas ocorridas ainda com o santo vivo, possuem a Itália como principal local de ocorrência, porém, encontramos alguns milagres ocorridos em Portugal, terra natal do doutor evangélico. A descrição dos milagres mostram fatos do cotidiano medieval, com personagens de diversos estratos sociais e profissões e que revelam facetas múltiplas da população medieval, como problemas de saúde, angústias, medos, dificuldades e desejos, além de aspectos da espiritualidade. O objetivo desta comunicação é analisar estes relatos de milagres, como eles moldaram a imagem de Santo Antônio e como serviram de elementos de difusão da devoção ao santo franciscano em terras portuguesas assim como forma de propaganda política e catequética da Ordem fundada por São Francisco de Assis.
Palavras-chave: milagres; narrativas; Santo Antônio.
Meire Aparecida Lóde Nunes
A representação do medo na Baixa Idade Média: um estudo do inferno de Hieronymus Bosch
Resumo
O objetivo nesse texto é analisar a cena do inferno presente no Juízo Final do holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), pintor que ficou conhecido como um grande criador de monstros. Nosso propósito é verificar como as figuras que aterrorizavam os medievais foram representadas na arte da Baixa Idade Média. A opção pelas fontes imagéticas justifica-se por considerarmos que as imagens – em especial, as consideradas na contemporaneidade como arte – registraram a subjetividade humana presente nas mudanças históricas expressando diferentes olhares sobre o mundo, os homens e o viver em sociedade. A investigação se desenvolve por meio do pressuposto de que as imagens dos castigos eternos atuaram (atuam) no imaginário de forma com que os homens se identificassem com os condenados, tornando as pinturas do inferno um conteúdo didático regulador do comportamento humano na Idade Média. Questão que se intensifica com a representação dos responsáveis pelo cumprimento da sentença de Cristo aos condenados: os demônios que proporcionam a danação eternam as almas pecadoras. Assim, refletir sobre como os homens conceberam o inferno, os seres infernais e os castigos aplicados aos que se desviaram do ‘reto caminho’ torna-se um importante conhecimento para a História da Educação por nos permitir verificar como o medo assume a posição de elemento educativo e, por conseguinte, normatizador social.
Palavras-chave: medo; Baixa Idade Média; inferno; Bosch.
Renata Lopes Biazotto Venturini
A Humanitas em Cato Maior: o espírito do comportamento romano diante da velhice
Resumo
A palavra paideia abriga um amplo conceito; ela nos remete à ideia de educação, cultura, arte, filosofia, política. O termo latino humanitas serviu para compor os ideais da paideia grega. Nas palavras de Paul Veyne (1992, p.283) ele se apresenta como “o mérito do indivíduo”, ou seja, “todos os homens comem e trabalham, mas nem todos descobrem as artes, as técnicas, as belas letras; a tudo isso se associa um progresso interior dos indivíduos”. O tratado de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), intitulado Cato Maior ou De Senectute, dedicado ao amigo Tito Pompônio Ático, é nosso objeto de estudo. A obra se apresenta na forma de diálogo entre Catão (exemplo máximo da virtus romana) e os jovens Lélio e Cipião, por meio do qual a velhice, em oposição a juventude, define os diferentes estágios da vida. Em cada um deles é possível trabalhar para uma vida plena e feliz a qual todos estamos destinados. Por meio dos exemplos elencados por Cícero nos interrogamos a respeito de qual paideia/humanitas queremos construir nos dias de hoje.
Palavras chave: Marco Túlio Cícero, paideia, humanitas, De Senectute.
Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi
Quintiliano e Plínio, o Jovem: a presença da educação filosófica e retórica nas Cartas
Resumo
Esta apresentação tem como objetivo analisar a obra de Plínio, o Jovem, no intuito de identificar o processo educacional de que foi objeto. Nas cartas II.14 e VI.6, Plínio faz referência direta ao seu preceptor, Quintiliano, e seis ensinamentos da arte da retórica e como conquistar o seu público. Também é possível identificar os fundamentos sobre retórica presentes nas Cartas de Plínio, o Jovem quando de suas missivas encaminhadas a Tácito e outros interlocutores. Desta forma, pretende-se abordar algumas destas premissas teóricas e filosóficas como princípio de análise das Cartas do senador romano.